Visibilidade trans de janeiro a janeiro
30 de jan. de 2023
29 de Janeiro é o dia da visibilidade trans no Brasil. Nesta data no ano de 2004, um grupo de pessoas trans (mulheres trans, homens trans e travestis) ocuparam o Congresso Nacional para participar do lançamento da campanha “Travesti e respeito”. Tornando-se um marco na luta em defesa, garantia de direitos e enfrentamento à transfobia no nosso país. Desde então, o movimento social de pessoas trans vem se fortalecendo e conquistando mais espaço, se articulando politicamente e produzindo resistências em todas as frentes de lutas sociais.
Porém, ainda há muito o que ser feito coletivamente para mudar os rumos da realidade na qual fomos inserides. E, por esse motivo, é preciso apontar a estrutura transfóbica e cis-heteronormativa que historicamente é responsável por nos desumanizar, excluir, violentar e exterminar cotidianamente. Os dados estatísticos apresentados nos dossiês de violência contra população trans, produzidos anualmente pela Associação Nacional de Travestis e Transexuais (ANTRA), trazem à tona de maneira bem sistemática e assustadora todas as violações de direitos direcionadas contra nós. Além disso, existe uma série de epistemologias produzidas por nós, pessoas trans, e pessoas cisaliadas dentro e fora das academias e em diversas esferas sociais no intuito de levar o conhecimento acerca da transgeneridade, na tentativa de colaborar para o entendimento da necessidade de uma urgente desconstrução coletiva. O Brasil segue naturalizando um processo de marginalização e precarização para a aniquilação das nossas vidas. Nos matam para manutenção diária de um sistema que se alimenta de desigualdades. E o ciclo dessa violência nos afeta de tal modo que nem a morte é o ponto final de uma série de violações.
Não compactuem com a manutenção dessa prática perversa que muitas vezes acaba sendo reforçada pela própria mídia numa perspectiva sensacionalista e transfóbica de contar e levar à grande massa de espectadores apenas narrativas de morte, marginalidade, dor e sofrimento. Não é esse o tipo de visibilidade que buscamos enquanto movimento de pessoas trans. É preciso refletir sobre qual é o interesse por traz dessa visibilidade apenas em janeiro. Não existimos no restante dos 365 dias? Nossas existências são plurais, seguimos produzindo vida, produzindo ciência, produzindo cultura, produzindo resistência, produzindo política, ocupando os espaços com nossas potencialidades. Nesse sentido, convoco todas as pessoas cisgêneras a responsabilidade de construir novas narrativas sobre nós, narrativas que destaquem nossa humanidade, nossa beleza, nossa intelectualidade, nossa força, nossa capacidade de lutar pelos nossos sonhos e ideais mesmo diante de uma sociedade que insiste em nos matar.
O caminho apontado aqui só poderá ser trilhado através da produção dessa humanização. É preciso humanizar as existências trans não apenas na teoria, mas sobretudo na prática do dia a dia, dentro da política, da saúde, da educação, da cultura, da mídia, do judiciário. Humanizar é reconhecer a negligência e omissão do Estado brasileiro que ainda não garante a proteção e preservação das nossas vidas. Humanizar é reconhecer a urgência de cotas para pessoas trans em todos os setores, entendendo que esse é um dos mecanismos de reparação histórica, mas não o único. Humanizar é reconhecer seus privilégios cisgêneros e ser pessoas aliadas na luta pelo enfrentamento e combate à transfobia. Humanizar é entender a importância de se discutir questões de gênero e sexualidade na educação, pois ela é uma das principais ferramentas transinclusivas. Humanizar é se apropriar do conhecimento necessário para compreender nossas pautas. Humanizar é aprender que todas as pessoas têm identidades de gênero e que ser trans ou cis é apenas mais uma possibilidade de ser e estar no mundo, reconhecendo essa diversidade como parte fundamental para o nosso progresso enquanto nação.
Não existe democracia sem pluralidade, assim como não pode existir humanidade sem a presença trans. É exatamente por isso que precisaremos juntes, reconstruir o conceito de humanidade. Para isso, começaremos ao passo que formos construindo no imaginário social , a humanidade dos homens trans, mulheres trans, das travestis, das pessoas não binárias, das pessoas transmasculinas e de tantas outras possibilidades de ser gente que nem precisarão ser nomeadas.
Ao passo que o exercício de humanização das nossas vidas se torne uma prática coletiva e comprometida, conseguiremos desconstruir uma série de preconceitos, estigmas e práticas de violências. Desse modo, celebraremos nossas conquistas de janeiro a janeiro, dando visibilidade ao que realmente importa, pessoas trans vivas, visíveis, empregadas, constituindo suas famílias, sendo amadas, acolhidas e inseridas nos espaços da maneira que desejarem. Por 365 dias de visibilidade trans com afeto, dignidade, respeito, segurança e equidade.